sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Menos, por favor

Escova progressiva marroquina, de chocolate, light: nunca pudemos escolher tanto. Mas nem por isso somos mais felizes. O excesso de possibilidades nos confunde, nos deixa ansiosas. Nessa hora, nada melhor do que reduzir. Menos expectativas, menos exigências, menos escolhas. E muito mais paz de espírito
Às vezes elas são até bem-intencionadas, ditas sem o menor intuito de desagradar ou ofender. Às vezes. Outras vezes, vêm carregadas de segundas e terceiras intenções. O fato é que certas frases nos tiram do sério. Ficamos sem saber como reagir. Dar uma resposta atravessada? E se não houve ali nenhuma má intenção? Não reagir? Fazer cara de paisagem (ou de lâmpada, como diz uma amiga minha) e ir embora engasgada, imaginando dez respostas que deveria ter dado, mas que só vieram à mente cinco minutos depois?
O caso aconteceu com o marido de uma amiga minha. Enquanto a mulher esperava no carro (por força das circunstâncias), Breno entrou numa farmácia apressado e pediu à vendedora uma caixa de o.b. 'De que tipo?', ela perguntou. Diante do ar perplexo do engenheiro, refez a pergunta: 'Você quer máxi, médio ou míni?'. Já recuperado e com a cara mais séria do mundo, Breno respondeu: 'Não sei. É a primeira vez que eu vou usar. O que você sugere?'.
A história ilustra o que tem sido o cotidiano das mulheres numa sociedade que não pára de multiplicar as possibilidades de consumo. O que o engenheiro viu foi só a ponta do iceberg. Absorventes com ou sem abas, para fluxo intenso ou regular, com cobertura suave ou seca, para o dia ou para a noite, para a mulher madura ou para a adolescente. Calças jeans, de alfaiataria, de cintura baixa ou alta, de bocas retas ou skinny. Esses são apenas alguns exemplos do repertório que acompanha cada compra que fazemos. Nós e eles, é verdade -mas, como as mulheres consomem mais, é na nossa direção que a avalanche de ofertas vem com mais força. E aí a gente é obrigada a escolher e fica atordoada.
A escova progressiva, por exemplo. Antes, a gente pedia ao cabeleireiro para fazer uma progressiva -ponto final. Hoje existem a marroquina, a de chocolate, a suave (ou light), para ficar só no começo da lista. Os tratamentos para celulite também se multiplicaram. Antigamente nossas coxas se contentavam com uma massagem e um creme de parafina. Agora experimente entrar numa clínica e perguntar: você vai precisar de uma semana para se decidir.
Até os lençóis estão mais complicados. Hoje tem lençol de algodão nacional, algodão egípcio, de 200 fios, de 300, de 500... E a cama? Comum ou box? Com ou sem cabeceira? E o travesseiro? Pode ser de espuma (com ou sem tecnologia da Nasa), de penas de ganso ou de látex. Uma conhecida minha optou pelas penas de ganso e se arrependeu amargamente: toda vez que sente as ondas de calor da menopausa, o travesseiro fica molhado de suor e exala um cheiro insuportável de galinheiro.
E tem a questão profissional. No caminho para o trabalho, você decide, de uma vez por todas, se matricular num curso de línguas. Mas qual, agora que só o inglês não basta? Será que o melhor investimento é o mandarim? Afinal, não dá para ignorar o crescimento da China. Daqui a pouco é a Índia, que também está crescendo e tem 22 línguas oficiais. Qual delas aprender? Melhor deixar o idioma para depois e entrar em uma academia. Você quer tanto fazer pilates, ou power yoga, ou running, ou musculação -já decidiu qual vai ser?
Não é à toa que o norte-americano Barry Schwartz alerta em seu livro 'The Paradox of Choice' ('O Paradoxo da Escolha') sobre os riscos do excesso de ofertas. Segundo Schwartz, nunca pudemos escolher tanto, mas nem por isso somos mais felizes: o excesso de possibilidades nos confunde, nos deixa ansiosas e nos sobrecarrega emocionalmente. A saída, ele recomenda, está no velho mantra do 'menos é mais'. Ignore a infinidade de ofertas e aposte na moderação. O travesseiro dos astronautas e o lençol egípcio podem até proporcionar um sono mais chique. Mas, para relaxar enquanto dormimos, a mente deve estar tranqüila. Se o que te agrada é aquele lençol macio de malha, deixe os egípcios pra lá. Passe o creme básico que comprou na farmácia e mergulhe a cabeça naquele travesseiro da sua infância. Afinal, quem disse que os astronautas dormem melhor do que nós?
Leila Ferreira é jornalista, apresentadora de TV e autora do livro 'Mulheres - Por que Será que Elas...', da Editora Globo

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